Este blog tem como objetivo dividir algumas idéias, pensamentos e leituras sobre o tema da violência escolar. Tenho a expectativa de encontrar comentadores, pessoas que também tenham interesse no assunto, que queiram compartilhar relatos, depoimentos, fatos, que dêem sugestões ou que elaborem críticas. Este é apenas o início da minha caminhada e estou certa de que há muito conhecimento a ser construído.

Entrevista a uma coordenadora pedagógica de um CEU

Simone Rosa (Entrevistadora): Antes da gente começar a falar sobre violência mesmo, propriamente dita, a primeira pergunta, ou as primeiras perguntas da entrevista, são sobre as suas representações de escola, o que seria pra você a escola hoje, quais seriam as suas funções, o seu papel social e o que você considera violência dentro da escola, quais são as suas representações de violência?

Entrevistada: Tá, ontem mesmo a gente tava falando sobre isso - a função social da escola, né? Que hoje em dia pra gente não fica muito claro que a escola é o local de aprendizagem, de construção do conhecimento pelo aluno e com mediações de adultos, né? Que nem sempre são somente do professor. Mas, basicamente a função social da escola é essa, de construção de aprendizagem, é o local principal de construção de aprendizagem, não só de conteúdos formais, mas informais também. E basicamente o que eu considero violência dentro da escola é a agressão física, principalmente. Porque eu penso que a escola tenha uma dinâmica, assim, de convivência com muitas diferenças. Então, às vezes o professor fica chateado, porque o aluno falou de mau jeito, ou ofendeu com palavras e tudo mais, mas o que eu considero violência na escola hoje é a questão da agressão física, tanto dentro de sala de aula quanto fora, em momentos de intervalo, entrada, saída, tudo isso pra mim é violência na escola.

Simone Rosa: Tá, eu queria também que você descrevesse um pouco o seu cotidiano, as atividades que você exerce e as suas atribuições.

Entrevistada: [Risos] Ah, aí você tem que vir aqui e passar o dia inteiro comigo [risos]. Comigo e com a [nome da sua colega, coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental I]. É assim: a dinâmica da manhã é diferente da dinâmica da tarde. De manhã a gente atende só alunos do ciclo II, de 5ª a 8ª, então é uma dinâmica bastante tumultuada. Eu, muitas vezes, me frustro por não conseguir seguir a minha pauta. Nem tudo a gente consegue executar naquele dia porque é um ambiente meio atordoado, tem muitas decisões pra serem tomadas em pouco tempo. Então, basicamente, muitas vezes eu não consigo ficar sentada na mesa, às vezes eu chego aqui e vou sentar depois da uma da tarde (13h00), quando os alunos já foram embora, nem sempre eu consigo manter a mesa arrumada [risos], mas é assim: eu tenho uma prática de entrar em sala de aula. Então, quando eu to vendo que o ambiente tá mais tranqüilo, que todos os professores estão na casa, já estão em sala com os seus alunos, eu procuro entrar na sala de aula, pedir a permissão do professor para observar a aula dele naquele dia. E a [nome da colega] também tem essa prática, no ciclo I. A gente observa, a gente ajuda a aplicar, por exemplo, as avaliações diagnósticas, nós entramos pra aplicar junto com o professor, pra observar, assim, se o aluno está aprendendo ou não. E tem, com certeza, a parte burocrática que também requer muito do nosso tempo. Então, a gente tem que enviar planilhas pras Diretorias Regionais de Ensino, checar essa parte de organização de diários, de planos de ensino, projeto pedagógico, plano de ações, plano de metas... Então, a gente tem uma parte burocrática que também é bastante pesada, mas aqui no CEU a gente procura focar a coordenação para o aluno, na garantia da qualidade do ensino, é nossa filosofia. Ficou faltando alguma coisa?

SR: As atribuições.

E: Ah, é, as minhas atribuições, poxa vida, eu tenho uma porção... No papel, eu tenho muita coisa, mas tem algumas que eu ainda não dou conta [risos]...

SR: Ser coordenador pedagógico não é fácil...

E: É assim: grosso modo é cuidar das situações de aprendizagem dos alunos, fazer os encaminhamentos no caso do aluno não aprender ou estar em defasagem com relação ao que está sendo trabalhado em sala de aula, verificar porque isso acontece, encaminhar para o psicólogo, para a sala de apoio pedagógico, para o fonoaudiólogo, dependendo da necessidade ou até pro médico também; acompanhar a freqüência desse aluno e fazer também os encaminhamentos devidos no caso da não freqüência, acionar o conselho tutelar; também nos casos de violência, de maus-tratos, acionar o conselho tutelar. E a parte que eu considero a principal é a de formação dos professores, dar conta da formação continuada dos professores - ao meu ver é o coração da coordenação pedagógica.

SR: Vocês vão orientando, vocês indicam as coisas que aparecem...

E: Não necessariamente, muitas vezes nós aplicamos.

SR: Vocês aplicam...

E: É, então nós preparamos os estudos, trazemos livros ou leituras pertinentes à necessidade da escola naquele momento, montamos um grupo de estudos.

SR: Que legal...

E: Esse ano nós focamos o nosso estudo nas expectativas de aprendizagem que é uma publicação de SME – Secretaria Municipal de Educação, que é dividida por áreas de conhecimento e também na publicação do MEC que se chama Indagações sobre o Currículo. Esse ano, especificamente, nós conseguimos concluir o primeiro caderno de Indagações que se chama Currículo e Desenvolvimento Humano. Então nós estudamos assim: por que é que a escola seleciona tais conteúdos? Por que são esses e não outros? Quando esses são deixados de lado, para que venham outros também, isso é uma perda significativa? Não é? Como o aluno enxerga isso? Como a comunidade enxerga isso? E a gente fazendo esse estudo das Indagações trazendo pra nossa realidade – qual é a realidade do CEU? Porque a gente tem uma gama de outros projetos que vão além do conhecimento que está no livro didático, né? Então, quando chega no final do ano, como nós estamos agora, e não demos conta do livro didático, aí fica aquela sensação: “o programa não foi cumprido”, e aí? Então, tudo isso foi estudado pelos professores, né? Eles têm consciência da importância desses outros saberes, da cultura, da oferta de outras atividades que não estão focadas somente na sala de aula, muitas aprendizagens esse ano aconteceram na piscina, aconteceram no teatro, aconteceram em parques da cidade...

SR: Eu vou te perguntar uma coisa que não está aqui [no roteiro]: você disse que estava em outra escola, que era uma EMEF comum. Você sente diferença, na proposta pedagógica...

E: Do CEU?

SR: É.

E: Toda a diferença. Eu me sinto realizada aqui. Falei isso ontem também, na avaliação de equipe técnica. Por que? A gente tem uma equipe muito boa, em gestão, fora nossa equipe – nós somos em 5 aqui na EMEF: 2 coordenadoras, 2 assistentes e a diretora – fora essa equipe, nós temos o gestor do CEU, que nos apoia bastante, nós temos a equipe educacional, a equipe da cultura, equipe dos esportes, que também nos dá um apoio bacana. E a proposta do CEU de se ter uma infraestrutura melhor faz toda a diferença, ao meu ver, que vim de uma EMEF comum.

SR: Até na aprendizagem dos alunos você acha que faz diferença?

E: Também.

SR: Você acha que eles conseguem “aprender mais”?

E: A proposta é assim: dar mais pra quem precisa mais. E eu acredito que isso é maravilhoso. Eu não me envergonho de dizer que esta escola tem uma estrutura melhor que a escola dos meus filhos. Eu tenho filhas que estudam em uma escola que não tem piscina, que não teatro. Mas que por outro lado, nós temos uma oferta cultural grande, pela família, que complementa, que esses aqui não têm. Muitos alunos nossos saem daqui ao meio-dia - esses do ciclo II - e permanecem aqui até o final do dia. Por quê? Porque gostam mesmo das atividades que são oferecidas. Isso aqui é melhor do que estar na rua. Pra outros não. Ainda ficam na rua e acham que essa escola não tem nada a ver com a realidade deles. Mas, eu vejo uma grande quantidade de alunos que permanecem aqui porque gostam de assistir um filme dentro do teatro, porque gostam de fazer uma aula de esportes depois da aula, gostam de praticar natação, xadrez ou a oficina de artes plásticas, enfim, tudo o que é oferecido.

SR: Que bacana...

E: A gente ainda tá num trabalho de semear, né? De mostrar para os pais a importância desse conselho, porque muitas vezes ele vêm e pensam assim: “ai, vou assinar logo a lista de presença e vou embora”. E a gente tá explicando o que é o conselho, que não é bem assim, mas basicamente é isso, da parte do conselho, que é quem determina, quem toma as decisões. O presidente do conselho esse ano foi o pai de uma aluna...

SR: Que legal, o presidente geralmente é o diretor...

E: É... o diretor é membro honorável, não pode faltar, mas não necessariamente ele tem que ser o presidente, então esse ano o presidente foi o pai de uma aluna, eu acho uma novidade também...

SR: É uma novidade pra mim também...

E: Um pai bastante presente e uma aluna bastante participativa, que se envolve em outras atividades além das aulas na EMEF. E a gestão, ela vem pra somar, vem pra contribuir, então, só pra exemplificar, porque eu já falei um pouquinho que tem os núcleos, por exemplo: o núcleo da cultura consegue contato com uma equipe de teatro pra fazer um espetáculo aqui no CEU. Tem uma verba, que é federal, ou estadual, ou municipal, que é destinada pra isso, pra essa contratação dessa equipe. A equipe vem, os núcleos da cultura entram em contato com a EMEF pra ver se a EMEF está disposta a ir participar do teatro, desse espetáculo, se é interessante pros nossos alunos esse tema ou não, e dia, horário, maneira de organizar de forma que não prejudique as aulas. Tudo isso é acordado, é entrosado mesmo, a gente conversa bastante, tomas as decisões juntos e não só isso. Eu citei o exemplo da peça teatral só pra exemplificar, mas também temos oficinas que acontecem em parcerias com ONGs, que o pessoal da educação vem nos oferecer, o pessoal de esportes está sempre nos ajudando nas atividades com a piscina, né? Nós temos quadras fechadas pro ano inteiro que só a EMEF vai usar naquele dia. Então é um trabalho bem integrado...

SR: Bem coordenado...

E: Pra inicio, assim, porque é o primeiro ano que nós estamos com uma equipe de caráter definitivo aqui na EMEF, e é o primeiro ano desse gestor aqui no CEU. Então, pra um primeiro ano eu acho que a gente já avançou bastante.

SR: Que legal...E eu queria que você falasse um pouco também sobre as formas de inserção individual, você até já falou um pouco, né? E sua participação nas tomadas de decisões.

E: Inserção individual? Da coordenação?

SR: Isso, nesse todo, como é que você participa, como é que você se integra. Você já disse um pouco que você acha que você é ouvida, que você tem uma participação maior... Aliás, eu queria te fazer uma pergunta também, quantos pais vocês têm, só por curiosidade geral, no conselho ?

E: Olha, sabe que eu não sei o total...

SR: Vocês têm um número que vocês fixam ou podem participar quantos pais...

E: Não, podem participar a vontade...

SR: É livre?

E: É livre. Mas, nós temos um grupo que responde pelas decisões do conselho que, se não me engano, é um número de 20 pais. Se não me engano. Algo em torno disso...

SR: E além dos pais, vocês têm outros membros da comunidade que participam?

E: Olha, nós temos a tal da paridade, né? Então, deve ter um grupo de pais, um grupo de alunos e um grupo de professores e um grupo de equipe técnica. Além do nosso conselho de escola, nós temos um conselho gestor do CEU. Aí, muitos do nosso conselho de escola podem participar no conselho gestor e vêm outros membros da comunidade. Então, indiretamente eles acabam participando de todas as decisões que nos envolvem. Mas não assim, diretamente nas reuniões, não. Só essas equipes que eu nomeei. Mas, a pergunta sobre a minha atuação individual...

SR: Isso.

E: Primeiramente, eu vim pra cá por escolha, gostaria de deixar isso claro, desde que o CEU estava sendo construído eu já estava de olho, eu queria vir pra cá porque eu acredito na proposta do CEU. Também tem uma questão de proximidade da minha residência, que também me chamou atenção. Mas quando eu vim conhecer, antes de indicar o CEU, eu vim pra conhecer a estrutura física, eu já fui muito bem recebida. Sem saber que eu ia trabalhar aqui, as pessoas já me acolherem, já me mostraram o espaço inteiro, eu fui atendida pela assistente de direção, que eu achei isso muito bacana, de um respeito muito grande. Então tudo isso me motivou a colocar o CEU como primeira opção da minha lista. E quando eu vim pra cá eu já vim num ambiente também muito acolhedor, de me sentir ouvida pelos professores, pela direção. Então fui muito bem acolhida, muito bem tratada, sempre com muito respeito e eu tive uma abertura muito grande da parte da diretora, confiou no meu trabalho muito rapidamente, né? E isso eu comentei ontem também na nossa avaliação, dizendo que eu me senti privilegiada, de chegar aqui e ser bem recebida e, além disso, ter uma liberdade de trabalho, sem ser muito questionada ou pressionada pra apresentação de resultados. Inclusive disse que eu colhi resultados muito antes do que eu imaginava, porque o trabalho da coordenação pedagógica é um trabalho feito a longo prazo, muitas vezes você não vê resultados do trabalho no primeiro ano, mas esse ano eu já consegui observar assim: alunos que vêm com aquele carinho, vêm visitar a gente, agradecer, pais que vêm reconhecer, trazem presentes, trazem cartão. Os próprios professores também, fizeram uma festa no meu aniversário, né? Então, foram até o final na formação, me respeitaram dentro da formação apesar da minha idade, eu me senti assim, até incomodada com a questão da idade porque muitas vezes eu tinha que chamar a atenção de professores que são muito mais velhos, que têm um tempo de carreira que é igual à minha idade muitas vezes. Então isso me incomodava, mas eu acho que não foi empecilho, não foi barreira e eu tive liberdade de tomar muitas decisões, até por conta dos encaminhamentos que a gente tem que fazer, né? Então, a gente tem que conhecer o aluno e isso eu consegui fazer e muitos até pelo nome mesmo.

SR: Você vai acompanhando o aluno tanto em sala de aula quanto pelo relato dos professores...

E: E pelas produções também. Então, nós temos assim: um acompanhamento do aluno numa visão geral mesmo. Por parte dos relatos, a gente tá sempre observando como é que tá o comportamento desse aluno, como é que tá a socialização, o relacionamento com as outras pessoas, por parte das produções como é que vai, se tá avançando, se não tá. Quando não está, por quê não está? E a gente vai fazer essa investigação tanto junto ao professor quanto junto à família. Então, essa parte de conhecer o aluno dá muito trabalho, mas foi um mapeamento que a gente conseguiu fazer esse ano que dá base pra gente continuar o trabalho o ano que vem. Então, o ano que vem eu já sei que aquele meu aluno precisou de fono, foi encaminhado, foi atendido e a partir daí eu tenho que cobrar relatórios desse fono pra saber se ele tá evoluindo, se ele está falando melhor e olhando as produções pra saber se ele também está escrevendo melhor, né? Então, dá trabalho, mas é uma coisa assim que eu tenho quatro anos pra acompanhar esse aluno, pelo menos. Então, isso é bem cuidado.

SR: Eu ia perguntar se existem outras formas de inserção da comunidade, se aqui vocês têm grêmios, representantes de classe, APM (Associação de Pais e Mestres). Se vocês abrem outros canais de participação para os alunos ou para a comunidade...

E: Olha, ainda é uma participação tímida. Então, nós temos a APM e essa participação que eu te falei no conselho. No caso do grêmio estudantil, existe uma iniciativa numa parceria junto à Polícia Militar que tem o projeto Jovens Construindo a Cidadania. Então, nossos alunos de 7º e 8º anos já começaram este ano com iniciativas, fazendo reuniões semanais com a mediação minha e do policial militar pra trazer benefícios tanto pra escola quanto pra comunidade.

SR: Que legal...

E: Então, esse ano a participação foi tímida porque nós não saímos da escola, nós utilizamos a participação do JCC principalmente na organização e realização de eventos, eventos que estariam acontecendo aqui mesmo. Esse ano foi nesse sentido. Mas, a proposta do JCC é bem parecida com a proposta do grêmio: é deles fazerem aqui e transporem os muros da escola. Então, eles fazerem uma visita no asilo, no orfanato, atenderem uma família que está passando por necessidades. Esse ano eu já me cobrei porque nós tivemos uma enchente terrível que levou muitas famílias a uma situação de calamidade e o nosso JCC não tava preparado pra atuar ainda, nessa dimensão. Então, eu já estou me cobrando para o ano que vem trazer novos alunos que também estejam com essa missão, vestindo essa camisa, pra tá levando pra fora da escola, pra comunidade, fazendo o inverso: não só a inserção da comunidade dentro do CEU, mas que o CEU ajude a comunidade também, no que ela estiver precisando... Além disso, a gente tem a participação da comunidade. A comunidade vem pro CEU pra participar das atividades que o CEU oferece. Então, de certa forma, esses pais estão mais ligados ainda, os pais dos alunos. Muitos vêm pra cá, por exemplo, pra fazer uma hidroginástica. Terminou? Vem, passa, às vezes pergunta pro professor: “e aí professor, como é que ta meu filho?” Aproveita e passa na secretaria, pra saber se o aluno veio, se entrou, se tá tudo certo. Então, nós temos essa participação, que também, ao meu ver, é muito tímida, mas que tende a melhorar, a crescer.

SR: Se você souber, eu gostaria que você desse uma descrição da relação entre os alunos e os professores, a equipe técnica, a direção, os pais...

E: Bom, principalmente a relação professor-aluno é bastante tensa no ciclo II. Por quê? Porque é uma característica inerente do adolescente a aversão à autoridade , faz parte do adolescente. Então, os professores inclusive não entendem isso como característica de adolescente e entendem como afronta. Então, o papel da coordenação também é fazer esse elo, voltar essa relação, que tá tensa, à calma. E com a direção a gente deixa, assim ,pra última instância. Quem geralmente “apaga os incêndios” é a coordenação e são as assistentes de direção também. Mas, eu tenho um grupo de professores muito bom, que tem uma aproximação maior com os alunos. Não são todos. Se eu chutar alto eu chego a 50% dos professores que têm um relacionamento bacana, de conhecer pelo nome, de chamar a atenção quando precisa, de serem ouvidos e eu tive uma sala que me surpreendeu muito esse ano, que tinha uma das nossas professoras, que faz parte desse grupo bom, como coordenadora de turma. E essa turma, no início do ano, era extremamente agressiva, respondiam aos professores, não faziam as tarefas, jogavam objetos dentro da sala, saíam dentro do horário de aula, queriam fazer bagunça mesmo nesse período. E essa professora coordenadora conseguiu reverter essa situação somente conversando com os alunos. Somente conversando. Então, era puxão de orelha pra classe inteira, quando a classe inteira merecia, né? Puxão de orelha entre aspas, uma bronca bem dada e era uma bronca bem dada praquele aluno, quando aquele aluno aprontava e ela sabia quem era e queria saber o porquê tava fazendo aquilo. A situação se reverteu de tal maneira, que nessa turma nós tivemos só um caso de retenção. Enquanto que nas outras nós tínhamos uma média de 6, 7 casos. Porque os alunos evoluíram mesmo, não só em termos de comportamento, mas de aprendizagem também. Começaram a levar a escola um pouco mais a sério. Porque a escola na verdade tava se inserindo no cotidiano deles. Muitos alunos dessa turma inclusive passaram a vir pegar livros na biblioteca. Em aulas que o professor faltava, usavam essa aula pra ler esses livros. Então, a gente foi vendo, a gente foi observando, assim, durante o ano, um resultado muito positivo. Por conta da intervenção adequada desse professor, que tem um perfil para trabalhar com adolescente.

SR: Você acha que alguns não têm?

E: Não têm.

SR: E aí gera o conflito?

E: Não, eles aumentam. Não é que são gerados por isso. A diferença tá assim: conflito e adolescente caminham juntos [risos], mas a forma como eles são solucionados é que faz a diferença. Se são ou se não são solucionados, a relação do professor com esse aluno faz toda a diferença.

SR: A próxima pergunta eu acho que você já falou, sobre o sentimento com relação ao local de trabalho...

E: Mas, eu posso falar mais um pouquinho [risos]... Primeiro, o local de trabalho é assim: eu falo pra todo mundo: “não saio daqui tão cedo”. Vão ter que me agüentar por um bom tempo [risos]. Eu gosto muito de trabalhar aqui, nesse lugar. É a estrutura de escola que a gente sonha, que a gente idealiza. E quanto aos meus sentimento s com relação à coordenação pedagógica, eu costumo comentar que quando eu terminei o magistério eu saí pensando : “puxa, vou passar vida inteira na sala de aula, estou apaixonada pela sala de aula”. Quando eu terminei a Pedagogia eu saí pensando: “puxa, vou passar a minha vida inteira na coordenação porque eu tô amando essa coisa”. E realmente eu sou apaixonada pelo que eu faço, eu gosto muito, é uma coisa que me motiva. Eu acordo cinco e meia da manhã todos os dias, essa semana eu tava falando pra [nome da colega, coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental I] que eu acordei antes do despertador a semana inteira, e venho com alegria, faço o que eu gosto e me realizo profissionalmente, me encontrei.

SR: Que bom, que bom... Mas eu senti, assim, que aqui as pessoas se sentem mais realizadas. Eu acho que o sentimento aqui é mais positivo, é mais evidente, a gente sente no ambiente, no clima...
E: O clima de trabalho aqui é muito bom...

SR: É, dá pra sentir, assim... Eu venho de fora, vim poucas vezes, mas dá pra gente sentir ...

E: E isso acaba neutralizando o professor que tá negativo, acaba neutralizando porque não tem como o professor insistir em reclamar o ano inteiro, quando ele se sente sozinho na reclamação, entendeu? Porque quando surge uma reclamação, o próprio grupo fala assim: ah, estamos descontentes com essa situação, o que podemos fazer pra melhorar? Então é um sentimento, assim, de pertencimento mesmo, uma pertença muito grande, é uma equipe de trabalho. Então, se não tá bom, nós parcialmente também temos interferência. E problemas na EMEF, eu acho que tem os mesmos problemas de qualquer outra EMEF, o problema da briga na hora da saída, o problema da tentativa de guerra de merenda, que aqui não se faz porque a gente tá lá dentro do refeitório mesmo,mas que se tenta, se tenta, como em outras escolas também. A questão do desrespeito ao professor também tem, a questão da quantidade de faltas, que é muito grande e que também leva à retenção, também tem e não porque é o CEU que tá livre disso. O problema das cobranças de Diretoria Regional também tem. Problemas, é como qualquer outra escola, o que mais me aflige é o problema da falta de professores. A quantidade de professores que falta por dia eu acredito que aqui seja muito grande, eu acho que é absurdo, né? Mas, não é em si que o professor falta porque ele tá desmotivado, ou porque ele não gosta de trabalhar aqui ou porque ele não se encontra na profissão, não. É por N motivos. São professores que geralmente trabalham de manhã, de tarde e de noite, que não têm sequer um tempo de fazer uma refeição adequada e levar um filho doente ao médico, então faltam por esses motivos, às vezes até pra resolver uma situação de banco, de Detran, de documentação, que não tem como, ele vai ter que faltar ou aqui ou nos outros lugares em que eles estão. Então, eu atribuo a esse motivo principalmente, assim, da carga horária de trabalho muito grande, excessiva. Mas, fora isso, nós temos um grupo que participa, que quer fazer a diferença nesse lugar...

SR: Isso é legal...

E: Isso é bom, e isso motiva os demais.

SR: Quantos professores, mais ou menos, você tem aqui?

E: De ciclo II, 21.

SR: Contando todas as disciplinas? De Artes...

E: Todos.

SR: Aí, eu queria que você falasse um pouco sobre a ocorrência de casos de indisciplina, de depredação, se vocês já tiveram porte de armas, violência física, simbólica... E como é que funciona o sistema de regras de vocês, de normas, das punições...

E: Quando eu cheguei aqui, essa sala que eu falei que melhorou muito em função da intervenção da professora coordenadora, o primeiro caso que me contaram que aconteceu o ano passado era de porte de arma de um aluno dessa turma, que tá em Liberdade Assistida, permanece em Liberdade Assistida, e ele trouxe uma arma. Ele trouxe pra escola e isso virou caso de polícia. Mas, esse ano nós não tivemos nenhuma situação semelhante. Não tivemos também situações de abuso sexual, muitas vezes a gente sabe que isso acontece dentro da escola, mas pelo contrário, até beijo na boca, se acontece, os próprios alunos denunciam o casal e a gente interfere na mesma hora [risos]...

SR: Eles cuidam...

E: Eles cuidam, porque é assim: escola não é lugar pra isso. Então, tá claro pra todo mundo. Tivemos uma situação de um aluno que um dia trouxe drogas para a escola. Mas, os prórpios alunos de outras turmas o inibiram. Nós não precisamos entrar em ação. A atuação também da assistente de direção foi muito pontual. No momento em que ficou sabendo da situação ela alertou a mãe do menino e falou que realmente aquilo não poderia se repetir. Se aquilo se repetisse viraria um caso de polícia, que seria encaminhado para o Conselho Tutelar, para a Vara de Infância. Mas, o aluno não veio mais. Depois disso, ele simplesmente desapareceu. A gente acionou realmente o Conselho Tutelar, pela questão das faltas, e a família, parece, que sequer foi localizada. Então, ele já estava envolvido com essa questão de drogas, né? Mais do que a gente tava sabendo. Esse foi um caso sério.

SR: Nossa...

E: Caso de depredação, basicamente eu não vejo, eu não vejo. Nós tivemos um caso no mês passado de alguns alunos que, por traquinagem, abriram o armário de uma professora, que já estava destrancado, pegaram um tubo de tinta vermelha e jogaram essa tinta no ventilador... A sala parecia que tava no dia do carnaval, cheia de confetes [risos]. Então, eles mancharam as paredes. Na mesma hora, a professora me chamou, eu fui até a sala e falei pra eles que eles teriam, no mínimo, que limpar aquilo. Aí, eles ficaram depois do horário, limparam as paredes, e deu um bocado de trabalho porque a tinta era vermelha e a parede era branca, mas limparam direitinho, escreveram um bilhete pra professora da sala, que eles pegaram a tinta, pediram desculpa, todos os alunos assinaram, todos os alunos que estavam envolvidos e eu mandei um comunicado aos pais, informando o que tinha acontecido. Eram seis alunos que estavam envolvidos nessa atitude aí, de traquinagem. Aí, os pais me devolveram esses comunicados assinados, com telefone, pra que eu pudesse entrar em contato e muitos, inclusive sem eu pedir, vieram pessoalmente, entregar o comunicado na minha mão e falaram: “Professora, o que é que aconteceu, né? Como é que foi resolvida essa situação?” Sem que eu chamasse. Então, foi um caso que eu entendo assim como depredação porque, sem querer, o ventilador acabou ficando manchado, as paredes manchadas, né? Enfim. Mas, nada que seja grave, nada disso, nunca, nunca. Não tivemos uma situação, assim, de quebrarem um ventilador ou rasgarem uma cortina, nada.

SR: Você sabe se existem grupos de gangues, tráfico, na região ou na escola, que influencie a rotina, o decorrer da aprendizagem...

E: Esse ano nós tivemos um episódio assim, que muito me preocupou. Um "desentendimento" entre os policiais e os traficantes da região. Coincidentemente, na semana do soldado, alguns policiais foram homenageados pelos nossos alunos. Então, havia um grande número de policiais aqui dentro, e nós ficamos preocupados com essa situação de represália aqui na escola, né?

SR: Hum-hum.

“Como é que a escola tá homenageando os policiais se quem comanda aqui é o tráfico?” Né? Mas, isso não aconteceu. Houve um enfrentamento entre a comunidade e os policiais da região, mas protegemos os alunos e outras pessoas que estavam aqui na escola e depois a rotina voltou ao normal.Nada aconteceu com a escola. Não alterou a rotina das aulas, nossas aulas não foram interrompidas por conta disso e...e o que acontece é assim: o tráfico existe, a gente não é ingênuo ao ponto de esconder ou de achar que não tem influência, tem sim. E a gente reconhece até uma influência a nível de conservação do patrimônio. A gente vê que os traficantes inibem a comunidade pra que não depredem também. Então, nós não temos nenhuma pichação, nenhum vidro quebrado, não temos nada disso porque de certa forma esse poder paralelo quer mostrar pra comunidade assim: a escola é boa pra comunidade. Então, mesmo que os policiais militares estejam lá dentro, é uma unidade e melhoria pra nossa comunidade e vamos protegê-la.

SR: Entendo...

E: É...por outro lado, nós, da equipe gestora, tanto da EMEF quanto da gestão do CEU, nós não aceitamos essa colaboração, não. Nunca tivemos essa situação de entrar um traficante aqui pra negociar coisa nenhuma, né? Nem conhecemos, nem sabemos direito quem são os mandantes aqui do crime organizado. Nós sabemos que ele é organizado e que de certa forma ele tem uma influência na comunidade muito grande.

SR: Hum-hum

E: Pra que uma comunidade se rebele contra a polícia, pra que uma comunidade saia à rua pra fazer uma manifestação, é uma influência tremenda, tremenda, que é difícil da gente neutralizar. Então, a gente tem que aprender a conviver...

SR: A minha última pergunta é assim: se vocês têm programas de controle ou prevenção de violência, de sensibilização, de conscientização. Eu soube que vocês têm o PROERD e o JCC que você falou, ele é um braço do PROERD?

E: É, é uma continuidade na verdade. Porque o PROERD já acontece desde o início da EMEF com os quartos anos. Esse ano, a pedido da direção, foi implementado nos sextos anos, né? Com os nossos alunos de 12/13 anos, que é uma faixa também crítica de idade. E aí, nós tivemos formatura, inclusive na semana passada, do PROERD, eles recebem certificado, os alunos que tem as melhores redações são premiados, as redações são lidas no cerimonial, e os alunos que se destacaram ao longo do PROERD são convidados a dar continuidade participando do projeto JCC. Então é um programa muito bacana, mas eu acho que o que interfere mais do que isso, são as ações pontuais da direção. Direção eu digo, equipe gestora. Então, se eles percebem que aconteceu alguma violência, situação de palavrão, de empurrão, de soco, qualquer situação fora do que a gente considera aceitável, vai haver uma repreensão, seja ela oral, seja ela escrita, seja através de uma convocação expressa aos pais, de alguma maneira nós não vamos deixar, passar despercebido.

SR: Hum-hum

E: Então, essa atitude vai trazer uma conseqüência. Eu acho que é isso que mais inibe, que antes dele socar o colega ele lembra: “puxa, eu lembro do outro que socou e os pais tiveram que vir aqui, tiveram que assinar um termo de responsabilidade”, né? Eles tiveram que ouvir um pouco sobre o ECA, tiveram que ouvir um pouco sobre a atuação do Conselho Tutelar, e isso inibe um pouco.

SR: Entendi.

E: Todas essas pastas que nós temos, uma pasta por sala, isso aqui são meio que uma invenção nossa. Nós não temos um apoio, assim, de Diretoria Regional de Ensino, a ponto de dizer: “É legal que se repreenda o aluno assim, assim e assim”. A princípio, todas as falas são, é... de se proteger os direitos do educando. Então, pouco se fala em termos de deveres dos alunos ou de como aplicar sanções. Pouco se fala. Então, isso foi o que o grupo resolveu fazer. Em cada pasta tem um saquinho [plástico] com o nome de cada aluno. Dentro desse saquinho tem uma ficha de ocorrência, e nessa ficha a gente relata a ocorrência, com data, o que aconteceu, faz a leitura pros alunos que foram envolvidos naquela situação e os alunos têm que assinar. Na reincidência, vamos supor, já tem 3 ocorrências registradas e assinadas, nós enviamos uma convocação para os pais. Se a convocação não for atendida, nós fazemos um relatório contendo todas as informações da ficha e encaminhamos o relatório para o Conselho Tutelar.

SR: Que bacana...

E: Então, se o pai apareceu, é uma coisa. A gente conversa com o pai, pede pro pai dar uma bronca em casa, corrigir o filho, estar ciente de tudo o que está acontecendo e o pai vai tomar as providências, cremos nós.

SR: Hum-hum

E: No caso do pai não vir, ou de as ocorrências continuarem se reincidindo, o encaminhamento é feito. E nós encaminhamos também um comunicado, antes dessa proposta de ação, nós enviamos um comunicado pra cada aluno, dizendo que isso tava acontecendo na escola, que não era aceitável esse tipo de atitude dos alunos e que por isso tomaríamos tais e tais medidas.

SR: Hum...

E: Esse comunicado foi lido pelos pais e assinado pelos pais, nós recolhemos essas assinaturas. Então, quando chamamos os pais pra dizer: “olha, seu filho tem essas ocorrências, lembra que o senhor assinou esse bilhete, dizendo que a escola tomaria tais providências? Então é isso que vai acontecer. O senhor pode influenciar de alguma maneira?”. O que geralmente nós ouvimos dos pais dos alunos que mais aprontam é uma fala do tipo: “Eu não posso mais fazer. Eu já bati, eu já puni, eu já dei castigo, eu já conversei e não resolveu. Eu não sei mais o que fazer, pode mandar pro Conselho Tutelar.” E aí a gente fica num trabalho assim de cobrança também do Conselho. Em alguns casos nós sabemos que o Conselho chamou alguns alunos que nós encaminhamos, chamou os familiares, os familiares tiveram que assinar um termo de responsabilidade na presença do conselheiro e nós somos obrigados a enviar relatórios periódicos pra dizer se o aluno está melhorando ou não. Já fizemos isso, já enviamos alguns casos, dizendo que apesar de toda essa intervenção, não melhorou, e aí o caso é passado pra Vara da infância e da Juventude.

SR: E depois, [nome da entrevistada], como é que fica?

E: Olha, eu não sei, isso pra mim é novidade. Eu sou nova em ciclo II, esse é o meu segundo ano no ciclo II. Eu sou professora do ciclo I, atuo há 10 anos no magistério dentro do ciclo I e isso era mais raro. Então, eu não sei qual é o desfecho, eu sei que pode acontecer do juiz da Vara da Infância e da Juventude convidar os pais pra uma audiência. E aí, dependo da gravidade das atitudes desse aluno, as punições estão previstas. Não só no ECA, mas no código penal também. Nós sabemos que isso acontece, nós não chegamos a ver nenhum caso nosso, graças a Deus, de chegar a esse extremo, mas sabemos que isso é legal, é previsto por lei. Então, nós não queremos nos omitir, né?

SR: Claro.

E: E isso acaba inibindo a atitude de outros alunos.

SR: Porque eles ficam sabendo...

E: Ficam sabendo e a notícia corre rápido.

SR: E assim... as punições são para a família e para o aluno, para o jovem?

E: É, e essa punição pode chegar à perda da guarda.