Este blog tem como objetivo dividir algumas idéias, pensamentos e leituras sobre o tema da violência escolar. Tenho a expectativa de encontrar comentadores, pessoas que também tenham interesse no assunto, que queiram compartilhar relatos, depoimentos, fatos, que dêem sugestões ou que elaborem críticas. Este é apenas o início da minha caminhada e estou certa de que há muito conhecimento a ser construído.

terça-feira, 30 de março de 2010

PODER E VIOLÊNCIA EM ARENDT

Segundo Hannah Arendt, historicamente, sempre houve um consenso em se equacionar poder e violência. Os mais diversos pensadores, de esquerda e de direita, sempre definiram a violência como uma manifestação do poder.

Todavia, para a autora, violência e poder não são o mesmo. Da mesma maneira que força, vigor e autoridade também não são sinônimos. Se ao longo da tradição política ocidental estes termos foram usados como tal, significa apenas que o tema político central e mais importante sempre foi “quem domina quem”. Nas palavras de Arendt (2001)

O poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido. Quando dizemos que alguém está no poder, na realidade nos referimos ao fato de que ele foi empossado por um certo número de pessoas para agir em seu nome. A partir do momento em que o grupo, do qual se origina o poder desde o começo, desaparece, “seu poder” também se esvanece. Em seu uso corrente, quando falamos de um “homem poderoso” ou de uma “personalidade poderosa”, já usamos a palavra “poder” metaforicamente; aquilo a que no referimos sem a metáfora é o vigor.

O vigor inequivocamente designa lago no singular, uma entidade individual; é a propriedade inerente a um objeto ou pessoa e pertence ao seu caráter, podendo provar-se a si mesmo na relação com outras coisas ou pessoas, mas sendo essencialmente diferente delas. Mesmo o vigor do indivíduo mais forte sempre pode ser sobrepujado pelos muitos, que não raro entrarão em acordo para nenhum outro propósito senão o de arruinar o vigor, precisamente por causa de sua independência peculiar. É da natureza de um grupo e de seu poder voltar-se contra a independência, a propriedade do vigor individual.

A força, que frequentemente em pregamos no discurso cotidiano como sinônimo da violência, especialmente se esta serve como um meio de coerção, deveria ser reservada, na linguagem terminológica, às “forças da natureza”, ou à “força das circunstâncias”, isto é, deveria indicar energia liberada por movimentos físicos ou sociais.

A autoridade, relacionando-se ao mais enganoso destes fenômenos e, portanto, sendo um termo do qual se abusa com freqüência, pode ser investida em pessoas – há algo como a autoridade pessoal, por exemplo, na relação entre a criança e seus pais, entre aluno e professor; ou pode ser investida em cargo como, por exemplo, no Senado romano; ou em postos hierárquicos da Igreja. Sua insígnia é o reconhecimento inquestionável por aqueles a quem se pede que obedeçam; nem a coerção, nem a persuasão são necessárias. Conservar a autoridade requer respeito pela pessoa ou pelo cargo. O maior inimigo da autoridade é, portanto, o desprezo, e o mais seguro meio para miná-la é a risada.

Finalmente, a violência distingue-se por seu caráter instrumental. Fenomenologicamente, ela está próxima do vigor, posto que os implementos da violência, como todas as outras ferramentas, são planejados e usados com o propósito de multiplicar o vigor natural até que, em seu último estágio de desenvolvimento, possam substituí-lo.

Percebe-se que, para Arendt, poder e violência são fenômenos relacionados, que a chave para a compreensão da violência é a forma como se concebe o poder. A autora volta a sua análise à antiguidade clássica para recuperar um conceito de poder que só se manifesta no espaço público, entre os homens, no discurso e na ação, no acordo entre muitas vontades e intenções.

Neste contexto, o poder pertence a um grupo e não pode ser confundido com um atributo individual como a força ou o vigor. Embora poder e violência freqüentemente apareçam juntos, nas sociedades políticas, quanto mais poder, menos violência, e vice-versa.

Em geral, a violência surge como último recurso, como alternativa para manter a estrutura de poder. Entretanto, Arendt ressalta que a violência é o limite da política e nunca poderá assegurar ou instaurar a liberdade. A violência é dominação, obediência obtida pela coerção. Jamais fortalece ou mantém o poder, ao contrário, só o destrói. Onde a violência se manifesta, o poder desaparece, uma vez que este só pode ser compreendido como a possibilidade de agir, de tomar decisões e de estabelecer acordos em conjunto, pelo diálogo.

Referência Bibliográfica

ARENDT, H. Sobre a violência. 3 ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.

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